Renato Russo – Só por hoje e para sempre @CiaLetras


so-por-hoje - renato russo

“Gostaria de não saber destes crimes atrozes.
É todo dia agora e o que vamos fazer?
Quero voar para bem longe mas hoje não dá
Não sei o que pensar e nem o que dizer
Só nos sobrou do amor
A falta que ficou”

Enquanto fã da Legião Urbana, claro que estou atenta aos lançamentos.
E dei pulinhos quando soube que sairia este livro. Afinal de contas, Renato Russo sempre será uma fonte de histórias que tocam as pessoas. Deve ser a dádiva e a maldição de ter um espírito que soube transmitir o que pensavam muitas pessoas de uma geração.

O livro reúne textos, análises, relatórios escritos por Renato durante o período em que esteve internado na clínica Vila Serena, para um tratamento de desintoxicação. Então temos a narrativa do vício, dos transtornos, das crises, do sofrimento vinda de quem viveu. E não podemos reclamar de falta de clareza, porque Renato vai direto aoponto no que se refere aos erros e ao “fundo do poço” que alcançou ao se tornar dependente de álcool e drogas. Reconhecer é um dos caminhos para entender, se perdoar e prosseguir sabendo que não pode recorrer no erro.

Ao mesmo tempo, percebemos como ele conseguia perceber as situações e as personalidades a sua volta, desde namorados, parentes, conhecidos, amigos, companheiros de trabalho e de banda e outras pessoas que passaram em seu caminho neste momento. Ele também detalha que a forma de expressar a criatividade não foi afetada, mas o trabalho (e os relacionamentos decorrentes dele) sim. Ou seja, ele conseguia compor (há citações no livro de momentos no tratamento que inspiraram músicas que apareceram em O Descobrimento do Brasil, lançado meses depois), mas os shows, a forma como lidava com os integrantes da banda sofriam reflexos do temperamento forte dele agravado pelo jeito que ele estivesse por causa da droga/quantidade de álcool consumido no dia (shows em que se apresentou mal, desavenças na hora de unir letra e melodia nas músicas, ao ponto de ele odiar o resultado do álbum V – segundo ele, onde estão as suas composições favoritas – e ele explica os motivos).

“Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade,
Tudo está perdido mas existem possibilidades.
Tínhamos a ideia, você mudou os planos
Tínhamos um plano, você mudou de ideia.
Já passou, já passou – quem sabe outro dia”

A narrativa de Renato ao longo do tratamento também reforça o caráter manipulativo que os adictos (como se refere a si mesmo e aos outros dependentes) possuíam para torcer as situações e a vontade das demais pessoas conforme o interesse. E se irritando quando isso não acontecia. Buscando sucesso no tratamento, que durou pouco mais de um mês, Renato desfiou nos relatórios todas as inseguranças que sentia: a carência que o levava a ser extremamente dependente, seja da aprovação dos outros e ainda nos relacionamentos ou encontros sexuais com os parceiros. O fato de se enxergar como alguém que tinha “poder” por ser a voz de uma geração, líder de uma banda amada por milhões, causou conflitos por ele exigir tratamento diferenciado, seja com as gravadoras, com os contratantes ou mesmo na dinâmica interna da banda.

Outro ponto era a ansiedade dele em que tudo fosse perfeito, que as coisas fossem feitas conforme a vontade – embora, de forma paradoxal, ele cedia nos relacionamentos íntimos para não perder a fonte constante de aprovação. E assim fugir do canto da sereia do pessimismo. Podem reparar a quantidade que ele repete “assertivo” e palavras derivadas. Conselho: busque no dicionário o que significa se não souber (confesso que foi o que eu fiz para entender o motivo da ênfase dele à necessidade de ter esta postura/ser assim).

Sobre o relacionamento com Dado e Bonfá, ele cita o que pensava e sentia por cada um. As menções são motivadas ao longo de questionamentos feitos no tratamento para forçá-lo a encarar e analisar atitudes ruins ou momentos-chave de erros que ele cometeu e o que levou a agir de tal forma. Confesso que esperava por uma análise que ele fez, mas inverti o alvo da análise.

No fundo, é a história de um homem que não soube lidar com as inseguranças, fraquezas, necessidade constante de ser amado como queria e de agradar sem limites para conseguir isso. E que para fugir da frustração e do vazio ao se deparar com uma realidade que não o agradava, recorreu ao álcool e às drogas. Às vezes separados. Às vezes junto. Tudo servia como desculpa para fugir deste mundo que o deprimia – até mesmo o noticiário. E mesmo sabendo que se sentiria mal diante do que via na TV ou lia nos jornais, ele buscava as notícias, quanto pior melhor, para ter a desculpa “o mundo estava perdido, não consigo lidar com isso” para se entorpecer sem limites.

“Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai:
Dos nossos planos é que tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção.

Aonde está você agora
Além de aqui, dentro de mim?”

A internação entre abril e maio de 1993 foi um pedido de socorro que ele resolveu ouvir de si mesmo e do próprio corpo e tentou atender. Ele estava doente, o corpo desgastado por um problema sério no fígado, pela falta de uma rotina saudável e (como diz em certa passagem do livro) “outras cositas” que obrigavam que ele fizesse exames constantes. Dá uma tristeza ver como uma mente tão genial, tão empática aos sentimentos que o cercavam, de uma geração que vinha de uma década onde o mundo não era fácil e se sentia incompreendida, se tornou refém dos fantasmas alimentados pelas suas fragilidades e inseguranças. Dá muita tristeza ver quanto sofrimento ele causou a si mesmo e a todos que amava, especialmente os pais (porque pai e mãe, salvo raras exceções, sempre sofrem a dor do filho – e as dores causadas por eles). Dá muita tristeza saber que o homem que era “o psicólogo” desta geração em busca de uma identidade sabotava com louvor a si mesmo e fingia ignorar isso, embora soubesse o que estava fazendo, por que estava fazendo e o que poderia causar com essas atitudes.

“Quando me vi tendo de viver comigo apenas
E com o mundo
Você me veio como um sonho bom
E me assustei

Não sou perfeito
Eu não esqueço
A riqueza que nós temos
Ninguém consegue perceber
E de pensar nisso tudo, eu, homem feito
Tive medo e não consegui dormir”

No prólogo, o filho Giuliano antecipa que este será o primeiro de vários lançamentos a partir dos escritos que o pai deixou. Uma forma do filho atender ao pedido do pai de mostrar aos outros o que ele pensava e sentia, para bem ou para mal. Giuliano ressaltou que “Só por hoje e para sempre – Diário do Recomeço” é um olhar sobre o homem por trás do mito. E o que os fãs vão perceber é a faceta humana do homem que falou sobre nós melhor que nós mesmos de forma atemporal enquanto tinha problemas sérios consigo mesmo. É intenso, triste, melancólico,
irônico, irritante. É ser de carne e osso. É sofrer citando filmes, poemas e até mesmo os signos do zodíaco para dar forma e cores aos sentimentos e pesadelos.

Ele comprovou aquele ditado que nós somos nosso pior e mais cruel inimigo. Sabemos que três anos depois, finalmente, o corpo dele não aguentou os efeitos da Aids e esta alma brilhante e torturada parou de sofrer com o universo ao redor e com os monstros que carregava internamente. Ao ler este livro, mais uma vez, Renato compartilha que era como nós e a jornada dele pode nos ajudar a não abaixar a cabeça para nossos fantasmas.

“Hoje eu já sei que sou tudo que preciso ser
Não preciso me desculpar nem te convencer
O mundo é radical
Não sei onde estou indo
Só sei que não estou perdido
Aprendi a viver um dia de cada vez”

Download de um trecho

Capa, ficha técnica, sinopse

só por hoje - renato russo

Só por hoje e para sempre: Diário do Recomeço

Renato Russo

Organização: Leonardo Lichote

ISBN: 9788535926095
Editora: Companhia das letras
Número de páginas: 180
Encadernação: Brochura
Formato: 14 X 21cm
Ano Edição: 2015

Sinopse

“Perdi vinte em vinte e nove amizades/ por conta de uma pedra em minhas mãos”, rezam os versos iniciais do álbum O descobrimento do Brasil, lançado pela Legião Urbana em novembro de 1993. Menos de seis meses antes, em abril do mesmo ano, Renato Russo dava entrada na clínica de reabilitação Vila Serena, no Rio de Janeiro, não só para se desvencilhar do álcool e das drogas, como também para mergulhar numa reflexão profunda sobre sua vida.

Os vinte e nove dias que o músico passou ali internado o marcariam profundamente, tanto em sua trajetória pessoal quanto em sua produção artística, conforme revelam as várias letras subsequentes que, a exemplo de “Vinte e nove”, se referem a essa experiência radical de reclusão.

“Passei vinte e nove meses num navio/ e vinte e nove dias na prisão”, segue a canção, “e aos vinte e nove, com o retorno de Saturno,/ decidi começar a viver.” Perfeccionista e exigente em todas as etapas de seu processo criativo, da composição à execução diante do público, o homem que estava à frente da Legião Urbana – uma das bandas de maior sucesso na história da música brasileira – encarou com a mesma obstinação o Programa dos Doze Passos oferecido pela clínica, seguindo à risca os exercícios terapêuticos de escrita propostos.

É esse material inédito que vem à tona depois de mais de vinte anos em Só por hoje e para sempre, atendendo ao desejo do autor de ter sua obra publicada postumamente. Entremeando as memórias de Renato com passagens de autoanálise e um olhar esperançoso para o futuro, esse relato oferece a seus fãs, além de valioso documento histórico, um contato íntimo com o artista e um exemplo decisivo de superação.

“E vinte e nove anjos me saudaram/ E tive vinte e nove amigos outra vez.”Passados mais de vinte anos, vem à tona relato inédito dos dias que o líder da Legião Urbana passou numa clínica de reabilitação para combater a dependência química e reencontrar o equilíbrio.

Bacci!!!

Beta

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2 Comments

  1. EU fui e fui muito fã desta banda, tanto que até meus filhos já conhecem e curtem algumas da músicas. Apesar disso, não sei se leria o livro, pelo menos no momento não.
    Bjs, Rose.

  2. Eu sempre gostei muito das músicas da Legião Urbana, mas nunca fui de me interessar muito pela vida dos músicos em si. Não sei se me animaria em ler esse livro, mas é bom saber que vale a pena!
    Beijos
    Camis – Leitora Compulsiva

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