[Bastidores Literários] Para quem você está escrevendo afinal de contas?


Essa semana eu estava conversando com outros profissionais do meio literário/editorial a respeito de uma leitura crítica que estou fazendo e diversos tópicos terminaram surgindo e um dos mais importantes, tanto que resolvi comentar a respeito aqui no Bastidores Literários, foi a dúvida: PARA QUEM VOCÊ ESTÁ ESCREVENDO?

Apesar de a maioria dos escritores responder que ESCREVEM PARA O LEITOR, isso muitas vezes não é verdade! Apesar de essa ser a resposta óbvia, muitas vezes isso não acontece, até porque consciente ou inconscientemente colocamos elementos que gostamos, ignorando o que o leitor pensará a respeito.

Em minha carreira de editor já vi muito escritor não só colocando cenas picantes ou violentas em histórias infantis, como também reclamando quando o editor pede para que as mesmas sejam tiradas ou modificadas. Assim, a primeira questão é: QUAL SEU PÚBLICO ALVO? Porque isso irá não só determinar seus protagonistas, como também o gênero da história e o estilo a ser escrito.

Do mesmo modo colocar vilões que seriam cabíveis em histórias infanto-juvenis em histórias adultas cria problemas semelhantes. Um exemplo famoso são os vilões que, ao prenderem o protagonista ao invés de simplesmente matá-lo, não só desenvolvem um plano maligno para matar o herói, mas também, num arroubo de petulância explicam ao mesmo como e em quanto tempo a coisa acontecerá, deixando o herói escapar só para depois reclamar que seriam bem sucedidos “se não fossem essas crianças intrometidas e esse cachorro”. FALA SÉRIO!

Mesmo assim, não é sobre isso que estou falando. Já vi autor deixando sua vaidade aflorar e agregar elementos completamente desnecessários na obra só para provar para o leitor que ele pesquisou a respeito do assunto. O interessante foi que ao fazer isso, agregando na boca de algum personagem explicações que demonstrassem a profundidade de sua pesquisa, ele terminou cometendo um equívoco, pois numa situação real ninguém faria aquilo.

Um erro semelhante, bastante comum na fantasia medieval, é exatamente o excesso de descrição, em especial de elementos não importantes para história. Eu já ouvi inúmeras vezes a desculpa de que a literatura fantástica é assim e a descrição é necessária para que o leitor consiga visualizar a cena com perfeição. É exatamente isso. A DESCULPA! Porque FALA SÉRIO! Esse tipo de coisa deixa a história muito chata!

Você pode até comentar que existe um estilo de escrita conhecido como “enciclopédico” (que eu mesmo comentei recentemente em outros artigos), em que o autor detalha tanto alguns elementos, dá tantas explicações que o leitor termina o livro quase se achando um especialista no assunto. Mesmo assim se você for ler com atenção, verá que ele não faz isso a não ser em elementos importantes para a construção da história.

Eu mesmo já li originais que, ao invés de cenas e sequencias, tinham enormes descrições de elementos históricos, narrativas intermináveis sobre elementos que não só mais pareciam livros de história, como também deixavam a história chata, pois deixavam passar inúmeros pontos de tensão da história em meio a intermináveis descrições sobre como era o mundo séculos atrás.

E FALA SÉRIO! O pior era que como a história era narrada em primeira pessoa, era ilógico o protagonista se focar em elementos históricos ao invés dos acontecimentos que ele mesmo havia vivenciado.

Pode parecer que estes exemplos todos não tenham nenhuma ligação, mas se considerarmos, todos eles têm em comum que o escritor (ou seu ego) está pensando mais nele do que efetivamente no leitor.

Essa situação toda, inclusive, me lembra de uma conversa que tive com o escritor e Papa do Steampunk e da escrita especulativa Jeff Vandermeer quando publiquei seu livro. Eu comentei que a história dele, do gênero New Weird Fiction, tinha cenas muito malucas, mas que mesmo assim a linguagem era muito simples. Ele me respondeu que em seu primeiro livro tinha usado tantas palavras inusitadas nas descrições que ficou praticamente impossível traduzi-lo. Foi quando seu agente literário disse que para fazer descrições profundas que evoquem as emoções do leitor não eram necessárias palavras difíceis ou inusitadas. E que na realidade um bom escritor fazia todas essas coisas, mas usando de uma linguagem simples e corriqueira, sem obrigar ao leitor a consultar o dicionário a cada dois ou três parágrafos. E desde então, ele comentou, ele nunca mais esqueceu essa regra.

Por que eu estou dizendo isso? Porque ao escrever, desde o início da criação da trama até a revisão após a leitura crítica, seu foco como escritor deve ser seu leitor. É ele, afinal de contas, que deverá se identificar com os personagens, ficar curioso com o que acontecerá na história, desde as primeiras páginas até o derradeiro FIM da história.

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