[Bastidores Literários] DO RPG PARA A LITERATURA – FUNCIONA? COMO FAZER? Parte 2


Continuando o assunto, do qual se tem muito que falar a respeito, nesta segunda parte do artigo eu comentarei a respeito de uma das grandes questões da adaptação do RPG para literatura que é a verossimilhança, dando alguns exemplos com base no que já foi colocado anteriormente.

O primeiro ponto são os personagens. Como eu disse antes, na literatura, ao contrário do que acontece num RPG, o leitor não cria o personagem, assim a empatia entre os dois deve ser conseguida ao longo da história. Além disso, não só muitos personagens quererá dizer muitos focos de atenção, como eles precisarão ser excelentemente bem construídos para que mantenham para o leitor a mesma tridimensionalidade que tinham para seu criador, senão eles não passarão de um pôster 2D que andarão junto com o protagonista.

Eu me recordo que quando adaptei um jogo de RPG na noveleta “O Cavaleiro e o Senhor do Inverno”, cortei todos os demais personagens deixando só os dois protagonistas. Não que isso seja necessário. Existem muitos livros de fantasia com diversos personagens, mesmo assim um peso deve ser dado ao protagonista, para que o leitor não se perca.

Do mesmo modo a verossimilhança em relação a questão personagens é muito importante. Imagine o seguinte: um grupo de aventureiros (e eu já comentei com o que eles se parecem realmente) chega a uma grande cidade. Como querem sempre estar prontos, estão sempre usando suas armas e armaduras, bastões e livros de magia. SÉRIO? Imagine a cena pelo ponto de vista de uma pessoa da cidade. Um vagabundo fedorento andando armado de um lado para o outro. Pode até funcionar numa vila na fronteira numa história de faroeste, mas imagine ele numa cidade grande e civilizada. Seria como nos dias de hoje o Rambo aparecer, todo armado, andando no centro de uma cidade grande. FALA SÉRIO! Não funciona, não é?

Outro ponto, normalmente ignorado quando se está numa aventura, mas que é relevante quando se faz uma adaptação é que muito provavelmente aquele cavaleiro sagrado, todo honrado e bonzinho, não ficaria no mesmo grupo que um assassino, ou mesmo que um ladrão. Porque como eu digo normalmente em cursos e palestras, normalmente o que separa os mocinhos dos vilões é que só para estes últimos “os fins justificam os meios”. Então para que haja uma aliança entre eles a explicação deve ser bastante convincente! Por que FALA SÉRIO! Porque é como eu digo: “uma vez perdida, é complicado reconquistar a confiança do leitor”.

O ponto seguinte é a história, ou no caso como ela começa. Quando falamos em literatura um dos elementos mais utilizados é a Jornada do Herói, que mostra no caso o protagonista sendo “convidado” pelo que ficou conhecido como “o chamado para a aventura”, o qual ele nega num primeiro momento, na chamada “negação do chamado”. Já no RPG os personagens “aventureiros” já estão predispostos a sair pelo mundo, pois não tem raízes em lugar nenhum. E mesmo que eu diga que, como qualquer artifício a Jornada do Herói se não bem utilizada poderá se tornar um clichê, sua estrutura existe exatamente porque ela é semelhante ao que acontece em nossas vidas, de modo que tendemos a naturalmente nos identificar com ela.

E se você acha que este é o maior problema, é porque se esqueceu de um dos maiores clichês do RPG, em especial de fantasia medieval, que é, como eu já coloquei semana passada, os personagens parados numa taverna sem fazer nada quando chega alguém, normalmente um idoso ou uma donzela em perigo, pedindo ajuda. Novamente aqui minha tendência é fazer uma comparação. Imagine alguém precisando de ajuda, nos dias de hoje mesmo… Onde esta pessoa procuraria? Numa delegacia de policia, em algum órgão do governo ou algo assim, ou num bar cheio de desconhecidos? Piora ainda quando lembramos o que eu coloquei acima, que muitas vezes um ou mais deles é um ladrão. Ou seja, FALA SÉRIO!

O meio da história é a parte menos problemática, porque no RPG ela muitas vezes é cheia de reviravoltas e coisas assim, novamente temos de comentar a respeito da verossimilhança, porque se grandes aventuras podem ter lógicas, algumas vezes quando os personagens se aventuram por subterrâneos, novamente temos que pensar nisso, porque muitas vezes a impressão que se tem é que está tudo congelado à espera dos protagonistas. De um lado da caverna tem aranhas gigantes comedoras de gente, enquanto do outro tem uma família de ogros que atacaram assim que virem algo estranho. As aranhas, que atacarão os personagens, contudo, não atacam os ogros que moram ali do lado. Ou seja, se um leitor mais atento percebe, FALA SÉRIO! Lá se foi a confiança dele!

Finalmente chegamos, como os personagens, ao final da história. E outra vez estamos num ponto crítico no processo de cativar o leitor. Isso, pois a história pode ter começado bem, uma relação pode ter sido construída entre ela e o leitor, mas se o final for ruim, o leitor não se interessará por nada mais a respeito da obra. E aqui, uma vez mais temos um problema com as adaptações, porque o leitor pode ter criado uma ligação tanto com os personagens, se estes houverem sido bem construídos, mas também existe a chance dele haver criado um elo com a história, a qual o protagonista não tem elo algum. Essa parte, na Jornada do Herói, está representado pelo Clímax, quando o herói passa pelo processo de depuração, aprendendo com o que vivenciou antes de retornar, transformado, a seu cotidiano. FALA SÉRIO! No RPG isso não acontece! Acabado o problema o protagonista simplesmente “segue solitário em direção do poente”, em busca de uma nova aventura.

Uma vez mais, nada contra adaptações! Existem livros excelentes criados a partir de mundos e até partidas de RPG, mesmo assim, elas normalmente são escritas por um autor profissional que sabe como trabalhar todos estes elementos, necessários na mudança de mídia. Então não é que você não deve tentar adaptar sua aventura, mas saiba que se não tomar cuidado poderá terminar com um livro com uma faixa de público extremamente reduzida!

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