Olá!
Hoje o texto é da querida Larissa Pita*
Feliz Natal ( Joyeux Noel )
O século XX foi, talvez, o mais sangrento da História. Contidas nele estão alguns dos eventos mais sangrentos já registrados na Humanidade, tais como as bombas atômicas, a guerra do Vietnã, a guerra civil Chinesa, os genocídios no leste europeu, o Holocausto judeu, e, é claro, as duas Grandes Guerras. É notável que a Segunda Guerra foi a mais midiatizada, e, por isso, mereceu mais espaço no cinema do que a Primeira, sem dúvidas por conta do papel de protagonista que os Estados Unidos exerceram nela. A uma nação que se postula como berço moderno da sétima arte desde D.W. Griffith é fundamental contar a própria História através das telonas, se aproveitando do “talento” de musas e galãs para ir às lágrimas, sem esquecer, é claro, de trilhas sonoras sofridas e dignas para esses dramalhões. Nada melhor do que a banda da moda, afinal. Existe fórmula mais digerível pelo grande público?
Porém, o filme que será nosso objeto de análise escapa completamente dos padrões enlatados muito conhecidos. Feliz Natal (Joyeux Noel, 2005), disponível no Brasil em DVD, que contou com indicações para o Festival de Cannes e para o Oscar, é ambientado nas trincheiras da Primeira Guerra. No início, um dos pontos de maior sensibilidade e inteligência do filme, são apresentadas três crianças, uma inglesa, uma francesa e outra alemã, cada uma recitando, por vez, uma lição de escola. Apesar de falarem em línguas diferentes, as crianças mantêm o padrão de apontarem como inimigos o elemento da outra nação, destilando o ódio que elas não conhecem, mas que lhes foi ensinado, em seus discursos. Grande perspicácia do diretor francês Christian Carion, que nos conduz a perceber que o ódio, independente da nacionalidade, é sempre igual, tão repetitivo e irracional quanto uma decoreba daquelas que aprendemos na escola.
A história gira em torno de Horstmayer (Daniel Brühl), um judeu alemão casado com uma francesa, e o recém-feito soldado Nikolaus Sprink (Benno Fürmann), um tenor que forma uma dupla de sucesso com a esposa, a soprano Anna Sörensen (Diane Kruger em excelente atuação!). Sprink é obrigado a abandonar sua arte em prol da guerra.
O filme começa para valer na França, quando franceses e britânicos entrincheirados, que tentavam impedir o avanço do exército alemão, procuravam passar o tempo entoando canções natalinas sob a liderança do padre Palmer. A surpresa é generalizada quando, do outro lado das trincheiras, os alemães respondem à altura, com a voz de Sprink cantando a famosíssima Noite Feliz. É um momento emocionante quando sua voz robusta é harmonizada com a flauta e a gaita de foles do inimigo, simbolizando um momento de união única entre inimigos em tempos de guerra. Depois, todos se juntam em uma missa, disputam uma partida de futebol lúdica e conversam sobre suas famílias e sonhos, compreendendo que o inimigo é um igual, com o mesmo desejo de ir para casa e a idêntica incerteza se estará vivo no dia seguinte.
Sem dúvidas que o diretor Christian Carion nos oferece um retrato romanceado, porque um filme, mais do que ser um documento da época em que pretende se inserir, se remete à quando ele foi produzido, como nos diria Marc Ferro em seu Cinema e História. Mas há muito de História em seu romance. A trégua de Natal de 1914 nos fronts é muito bem documentada através das cartas que os soldados remetiam às suas famílias. Portanto, se o que se passa no filme não é 100% fato, é, ao menos, verossímil, e neste ponto reside grande parcela da mágica do mesmo. Por sabermos que muito do que estamos vendo provavelmente aconteceu, somos ainda mais tocados pela história. Imaginar que aqueles soldados, alguns dos quais jamais voltariam para casa, encontraram um pouco de confraternização em meio à selvageria, nos leva às lágrimas em algumas cenas.
O elenco é bastante conhecido dos espectadores de filme europeu, e, algumas atuações, como a do bonitão Daniel Brühl e da linda e carismática Diane Kruger, se destacam. Os esforços da soprano Anna para encontrar o marido emocionalmente abalado no front rendem os momentos mais românticos do filme, além de alguns dos mais tocantes.
O tratamento cênico e estético de Christian Carion é competente, mas o que nos mais desperta atenção, tanto quanto a trama em si, é a fotografia. Há tomadas especulares, tanto em ambientes fechados quanto abertos, que nos mostram desde horrores de guerra às sinuosidades de colinas que, de tão belas, mais parecem truque de computação.
Feliz Natal é uma típica e atípica produção européia. Sua ficha técnica leva o nome de atores e profissionais da produção de França, Alemanha, Reino Unido e Bélgica, denotando, assim, que a união entre nações tradicionalmente inimigas vai para além do enredo. Em um filme onde não se encontram deslizes óbvios – o ritmo um pouco mais monótono do início não é problema para aqueles acostumados a algo que vai além de blockbuster de Hollywood –, faz algo mais além do que nos prender: encanta. Encanta pelo tratamento dispensado, o cuidado, a pesquisa de enredo, a sensibilidade. Assistindo Feliz Natal nós somos absorvidos pelo melhor do espírito de Natal, pois nos tornamos esperançosos ao acreditar que o empenho para viver em um mundo mais pacífico é encargo das nossas tarefas do dia-dia. Está nas nossas mãos, porque aqueles soldados conseguiram ignorar os horrores da guerra e confraternizaram por uma noite, sem barreiras de línguas ou do ódio que, sendo uma construção dada por terceiros, não fazia parte deles.
Daniel Bruhl: cumpre o papel de ator acima da média e colírio para as mulheres com atração por homens de farda.
Diane Kruger e Benno Furmann protagonizam os momentos mais românticos do filme.
Os protagonistas: Horstmayer, Anna e Nikolaus.
Trailer
SINOPSE
Natal de 1914, em plena 1ª Guerra Mundial. A neve e presentes da família e do exército ocupam as trincheiras francesas, escocesas e alemãs, envolvidas no conflito. Durante a noite os soldados saem de suas trincheiras e deixam seus rifles de lado, para apertar as mãos do inimigo e confraternizar o Natal. É o suficiente para mudar a vida de um padre anglicano, um tenente francês, um grande tenor alemão e sua companheira, uma soprano.
FICHA TECNICA
Título original: Joyeux Noël
Lançamento: 1/12/2006 (1h 56min)
Direção: Christian Carion
Elenco: Diane Kruger, Benno Fürmann, Daniel Bruhl, Guillaume Canet e mais.
Gênero: Drama , Guerra , Histórico
Nacionalidade: França , Reino Unido , Bélgica , Romênia , Alemanha
Orçamento: U$ 22 milhões.
Distribuidor: Columbia Pictures do Brasil.
BIBLIOGRAFIA:
FERRO, Marc. Cinema e História. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
Sobre a autora:
Larissa Pitta é graduanda em História, na UFRJ, e graduada em Arquivologia, na UNIRIO. É uma espectadora voraz de filmes históricos, leitora de livro de todas as classes (e sem classes também) e pseudo-escritora nas horas vagas.
Olá!
Eu já vi para vender na americanas. Nào sei se ainda tem
😉
ótimo texto, filme maravilhoso! alguém informa onde comprar o dvd?
Ótima resenha! Realmente o poder de síntese de Larissa é fantástico. Podem convidá-la mais vezes para outras resenhas.
Adorei esse filme gosto de filmes que mostram guerras que ja aconteceu.
Achei bem interessante. Vou procurar assistir, adoro filmes ambientados no passado, em outras épocas, é tão legal ver como a cultura era diferente.
beijos
Esse é o tipo de filme para ser visto no cinema, pena que não se fazem muitos como ele, a maior parte dos filmes atuais está mais preocupada com os efeitos especiais e explosões espetaculares em vez de focar na história. Boa dica de um filme adulto.
🙂
Mês que vem já vou te alugar de novo. Adorei o texto.
bjkss
Não conhecia, parece bem interessante.
Obrigada pela dica, 😉
Olá!
Fico feliz que eu tenha conseguido, aparentemente, instigar a curiosidade em ver o filme. É uma ótima produção!
E Rosana, obrigada pelo convite! Estou aberta a outros! #sejoga
Beijos.
Bom, ainda não assisti o filme, mas já me indicaram bastante. A escrita de Larissa sempre é ótima, ainda mais fazendo uma análise que compreende desde o formato do filme a uma análise documental e histórica, isso é muito bom, pois podemos lançar outros olhares.
Realmente fiquei impressionada com a estória apresentada e para além da vontade de assistir quero ainda mais porque como Larissa disse “Por sabermos que muito do que estamos vendo provavelmente aconteceu, somos ainda mais tocados pela história.”, e isso com certeza nos faz refletir de algum modo sobre a época e sobre nossa própria história.
A bibliografia utilizada é ótima tbm, Ferro e Hobsbawm são grandes mestres de análise desta época, tanto com relação ao cinema quanto à história.
Ótima resenha! Vou correr pra assistir! 😉
Parabéns pela resenha, muito bem escrita. Não conhecia o filme e seu relato me deixou com muita vontade de assisti-lo.
Adoroooo livros, filmes, resenhas, etc. sobre guerras, assuntos históricos, de época…
Não conhecia esse filme, mas, a Larissa com suas belas palavras me deixou mega curiosa para assistir.
Simplesmente arrasou!!!!
Não é de admirar que Larissa tenha escrito uma resenha tão boa que deu vontade de logo procurar o filme pra ver e confirmar o que de bom o filme tem. Ela, Larissa, é uma excelência em tudo o que faz. Congratulações!!! Bjs
Resenha primorosa, como tudo o que a Larissa Faz. Gostei muito de sua percepções sobre a história. Fiquei curiosa com o filme, tenho uma queda pelo Daniel Brühl desde “Adeus, Lenin!”, então já entrou na minha listinha de filmes para o recesso de fim de ano.
Não conhecia o filme e fiquei super curiosa, não só pelo simples fato de gostar de filmes, mas por ter uma queda por filmes que tenham a guerra como pano de fundo, além, é claro, de ter adorado a resenha. Larissa como sempre é muito boa com as palavras, conheço seu trabalho como escritora de ficção, mas nunca em uma resenha e amei, o que não poderia ser diferente, já que escreve super bem,instigando a curiosidade em assistir ao filme.
Parabéns!
Que texto belíssimo, Larissa Pitta! Logo se vê que, em todos os seus textos, há um embasamento teórico para a composição. A maneira como você fala da narrativa, dando sua opinião de forma sensível e delicada sem ser como o Rubens Ewald Filho. Está de parabéns!
Lari,
Como sempre vc arrasando nas resenhas e nos apresentando filmes culturais e históricos fantásticos. Fiquei muito intrigada com esse filme e quero assisti-lo graças a sua forma de expressar emocionante.