BASTIDORES LITERÁRIOS – Como Assim, Apropriação Cultural?


Por Gianpaolo Celli, consultor do ALITERAÇÃO SERVIÇOS EDITORIAIS

Parece que, com a chegada do filme e do livro novo de Harry Potter, o assunto “apropriação cultural” voltou a baila. Se você não tiver ligação com o meio literário/editorial ou se não for fã de Harry Potter pode não estar sabendo mas, devido ao lançamento do filme “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, um spin-off da série Harry Potter, os textos disponibilizados por J.K. Rowling no site oficial da série, “Pottermore”, voltaram a ser atenção da imprensa, em especial os quatro textos intitulados “História da Magia na América do Norte”.

São eles: “Fourteenth Century – Seventeenth Century” que traduzido seria “Século XIV – Século XVII”, “Seventeenth Century and Beyond” ou “Século XVII e Além”, “Rappaport’s Law” ou “A lei de Rappaport” e “1920s Wizarding America” cuja tradução seria algo como “1920 Embruxificando a América”.

– Ok. – Você vai dizer – E que tem isso de errado?

A resposta é: FALA SÉRIO! Na verdade absolutamente nada!

Só que J.K. Rowling está sendo acusada de “se apropriar da cultura dos nativo-americanos”.

Na verdade o que aconteceu foi que ao retratar a sociedade mágica americana a autora usou a lenda do povo Navajo dos “andarilhos de peles” e o conteúdo desagradou militantes indígenas.

Para que você saiba o que está acontecendo eu traduzi o parágrafo principal que fala do assunto no texto “Século XIV – Século XVII”:

“A lenda dos ‘andarilhos de peles’ nativo-americanos – uma bruxa ou bruxo mau que, quando quer, pode se transformar em animal – vem de uma verdade. A lenda surgiu de uma história que dizia que os Animagos nativo-americanos sacrificaram membros próximos da família para ganhar seus poderes de transformação. Na realidade a maioria dos Animagos só assumia forma de animais para escapar da perseguição ou caçar para a tribo. Estes rumores negativos se originaram em sua maioria dos curandeiros No-Maj (como os nativo-americanos chamam os trouxas), que ficaram com medo de serem expostos como fraudes por fingirem ter poderes.”

Acontece que ao escrever em seu Twitter que “No meu mundo mágico, ‘andarilhos de peles’ não existiram de verdade” (muito provavelmente para rebater críticas iniciais), ela aparentemente irritou ativistas, que responderam que “Não é o ‘seu’ mundo. É nosso mundo indígena real. Histórias de ‘andarilhos de peles’ têm contexto, raízes e realidade. Você não pode se apropriar de uma tradição viva de pessoas marginalizadas. Isso é colonialismo” e que “A espiritualidade e religiosidade indígena não são fantasias do mesmo nível de bruxos. Essas crenças estão vivas…”.

Gostaria de recordar aqui uma colocação que fiz a uma praticante de bruxaria, que também é uma “tradição viva” existente no mundo real, quando o primeiro livro da série foi lançado há quase 20 anos. Ela, no caso, reclamava da deturpação da bruxaria nas histórias do Harry Potter. FALA SÉRIO! Estamos falando de ficção. O que está escrito não é ou precisa ser real!

Coloquei que na verdade era inverso, pois o uso da bruxaria poderia fazer com que leitores se interessassem e se aprofundassem no assunto. Inclusive, como estudioso de mitologia comparada eu digo o mesmo em relação às lendas dos povos nativo-americanos, as quais possuem mitos bastante semelhantes aos mitos e tradições europeias, de onde surgiu a bruxaria.

Além disso, também gostaria de dizer que, do mesmo modo que J.K. Rowling, uma inglesa, utilizou-se de lendas nativo-americanas, Anne Rice, uma americana, assim como diversos outros autores de todo o mundo, inspirada por Bran Stoker, que usou a figura de Vlad, o Impalador, um príncipe romeno considerado um herói no país para criar o vilão de seu livro Drácula, utilizou-se para suas histórias do mito do vampiro, surgido na Europa Oriental.

Do mesmo modo o norte americano Rick Riordan usou a mitologia grega, assim como a Nórdica, ambas que atualmente passam, como diversas outras, por uma fase de revitalização e reconstrucionismo, no caso Helênico e Nórdico, para as séries Percy Jackson e Magnus Chase. Mas FALA SÉRIO! Pimenta nos olhos dos é refresco, não é verdade?

Isso sem falar que diversas obras, de Deuses Americanos, de Neil Gaiman à Arquivo-X, de Chris Carter, fizeram menção (não se apropriaram) aos nativo-americanos e suas lendas, e FALA SÉRIO!, deveríamos agradecê-los por isso. Porque como já eu disse, se um em cada dez, cinquenta, cem leitores se interessar e resolver se aprofundar, a “apropriação” fará mais bem à lenda do que mau.

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1 Comment

  1. 16/11/2016

    Gostei da matéria, bem interessante e inspirador.

    Só lamento que, muitos que se dizem escritores, se quer dão o trabalho (digo satisfação) de ler artigos relacionados a literatura e julgam-se escritores. Escrever é muito mais do que ler história que se gosta.

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