[Bastidores Literários] Cuidado com clichês que se mascaram como técnicas milagrosas – Parte 1 de 2


Recentemente eu estava conversando com alguns profissionais do mercado e no meio do dialogo um deles comentou que havia lido uma discussão a respeito de técnicas para “prender” o leitor. Eu me recordo que logo comentei que uma das coisas que mais me irritava nesse tipo de coisa é a generalização que normalmente cria o clichê. Quer dizer, eu mesmo sou um estudioso de mitologia comparada e como tal, uma de minhas obras preferidas é o Herói de Mil Faces, em que Joseph Cambell apresenta a Jornada do Herói, que chama de monomito, a estrutura por trás de todas as histórias.

Mas relegar uma estrutura primordial, conhecida a talvez milhares de anos a uma técnica… FALA SÉRIO! Eu concordo que consigo ver na maioria das histórias aspectos apresentados na Jornada. O problema é que alguns profissionais terminaram por reduzir a Jornada numa série de 21, 12, 8 passos, indicando como sua história deve ser. Isso não só é um erro, como se você construir sua história só nisso você terminará com um enorme clichê que depois não conseguira que ninguém se interesse! Quer dizer, eu sempre digo e me recordo que quando ministrei um curso de escrita profissional na Biblioteca Viriato Correa há alguns anos apresentei a Jornada, mostrei os passos adverti aos alunos que o objetivo era que eles tivessem consciência daquela ferramenta e que inteirassem de modo a conhecê-la com certa profundidade, pois só assim ela seria natural em suas histórias. Livros, afinal de contas, não são aqueles bolos de caixa que se compra no mercado, os quais se você seguir a receita terminará sempre com o mesmo bolo. A humanidade tem milhares de anos e mesmo com um monomito (na verdade existem estudiosos que dizem que são três, mas isso é outra discussão), novas histórias surgem a cada minuto.

De qualquer modo, continuamos a discussão, com cada um comentando, como eu fiz com a Jornada do Herói, sobre como algumas destas técnicas podem se tornar clichês nas mãos de escritores que não tenham a devida experiência ou conhecimento da mesma. E como eu achei que seria interessante que você escritor que está começando se inteirasse um pouco a respeito do assunto, neste artigo, assim como no próximo, eu pretendo comentar a respeito de algumas destas técnicas milagrosas.

A segunda destas técnicas lembrada foi a famosa Contagem Regressiva. Bastante simples, ela pode ser vista em inúmeros filmes. Isso, entretanto, está longe de ser algo positivo. Muito pelo contrário, pois normalmente tramas cinematográficas tendem a simplicidade, ao contrário das literárias que normalmente tem mais tempo de mostrar outros aspectos da história. Não é para menos que não só a maioria das adaptações cinematográficas são versões resumidas, como atualmente se está adaptando livros em séries, pois mais simples do que mostrar o livro todo em só duas horas é apresentá-lo em 10, 12, as vezes em até 24 episódios de uma hora. FALA SÉRIO! Apesar de criar tensão através de uma percepção temporal, a técnica pode se tornar um clichê caso o leitor perceba que a lógica por trás desta mola propulsora da história, por exemplo, a contagem regressiva de uma bomba, é fraca, ilógica, inexistente ou existe simplesmente porque o escritor teve preguiça de pensar em algo melhor. Inclusive, alguém se lembrou do livro/filme Anjos e Demônios de Dan Brown?

A seguinte delas que foi lembrada foi a dos Ganchos, os populares Cliffhangers. Essa técnica usa o corte de uma cena em seu ápice ou a Insinuação no final do capítulo de algo intenso acontecerá em breve, fazendo com que o leitor não perca tempo em continuar a leitura de modo a chegar à conclusão do Gancho ou Cliffhanger. Um deles logo comentou que a técnica realmente é excelente, mas (e FALA SÉRIO!, tem sempre um mas) ela for bem elaborada.

Na verdade podemos falar a mesma coisa de praticamente todas as técnicas. E o que isso quer dizer? Quer dizer que você deve fazer isso sem que o leitor perceba. Porque senão o leitor vai pressentir, seja a chegada de um elemento da estrutura da Jornada do Herói na história, seja o Gancho ou Cliffhanger no final do capítulo. E se considerarmos que a ideia é apresentar algo inusitado, se o leitor já souber o que acontecerá a seguir na história. Foi muito interessante que nessa parte alguém lembrou daqueles horrorosos filmes de terror adolescentes dos anos 80 e 90, em que sempre que alguém se separava do grupo você pensava “esse morre agora” e ele morria. Quer dizer, qual a graça nisso?

Não perca a conclusão do assunto, com outras destas notáveis, para não dizer infames técnicas que prometem sucesso, mas esquecem de mencionar que, como tudo na vida, se você não souber usar se voltarão contra você.

Previous Renato Russo - O livro das listas @cialetras #resenha
Next Laura Conrado - Na minha onda @globolivros #resenha

No Comment

Deixe um comentário! Quero saber o que achou do texto ;)