[Bastidores Literários] A importância do contexto na ficção especulativa


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Esta semana eu comecei a releitura do clássico A mão Esquerda da Escuridão quando vi que nesta versão do livro, pois minha primeira leitura havia sido em inglês, tinha não só uma, mas duas introduções. Uma feita pela autora, Úrsula K Le Guin e outra por ninguém menos do que o escritor Neil Gaiman.

Como já coloquei aqui mais de uma vez: É muito importante para escritores ler estes apartes, pois são neles que normalmente autores mais experientes colocam não só detalhes a respeito da produção da obra em questão, o que por si só já pode ajudar quem está começando, como também eles falam a respeito de seu processo criativo, dando assim detalhes que podem ajudar muito a quem ainda está desenvolvendo seu estilo. FALA SÉRIO! Na verdade estas informações são uteis para todos os escritores, pois o processo de crescimento é algo que, para o escritor que busca se profissionalizar, não tem fim.

Por exemplo, neste aparte a autora fala de Ficção Científica e como ela é considerada uma gênero “escapista”. Para quem não sabe, este termo é comumente aplicado à histórias cuja trama foge de nossa realidade, deste modo o termo é usado de maneira crítica para praticamente qualquer obra de Ficção Especulativa, pois ela abrange gêneros literários que os críticos colocam que tem como objetivo fazer o leitor escapar de seu dia-a-dia.

A questão que fica é: toda história não é criada por uma pessoa, sendo assim resultado de um momento psicológico de deu criador. E FALA SÉRIO! Indo mais fundo, ela também reflete aspectos sociais e políticos da sociedade na qual ele ou ela estão inseridos.

Mesmo uma Fantasia ou uma Ficção Científica, que normalmente é uma extrapolação, purificando e intensificando uma tendência presente, apresenta em seu âmago questões como “se isso que está acontecendo continuar, eis o que ocorrerá”, fazendo assim uma crítica não só no âmbito político ou social, mas em todos os aspectos, se tornando um verdadeiro thriler antropológico.

Por exemplo, Androides Sonham com Ovelhas Elétricas, livro que originou o clássico Blade Runner e porque não dizer sua continuação 2049, apresenta uma história em que os animais, assim como a natureza de uma maneira geral, não existem mais, trazendo à tona a destruição do mundo pela guerra nuclear, assunto tão em voga durante o período da Guerra Fria, quando a obra foi escrita, como foi até pouco tempo atrás com a recente crise entre os EUA e a Coréia do Norte.

Na realidade um ponto importante da literatura, e novamente em especial da especulativa, é “mostrar o familiar de um ponto de vista que o leitor não tinha experimentado antes”. Uma das pedras essenciais sobre as quais uma boa obra deve ser edificada, inclusive, é que ao invés de tentar predizer o futuro, função dos adivinhos, ela deve simplesmente descrever e refletir a realidade na qual foi escrita, falando ao leitor a respeito dela, como, por exemplo, O Homem do Castelo Alto, de Phillip K Dick, que ao mostrar como seria a segunda metade do século XX se os nazistas houvessem ganhado a II Guerra Mundial também nos fala da história ser contada pelos vencedores; ou Tropas Estelares, de Robert A Henlein, discute temas filosóficos e morais como liberdade de governo, virtude cívica, delinquência juvenil e guerra, assim como o militarismo, crença ou o desejo de um governo ou de um povo de que um estado deve manter uma forte capacidade militar para usá-lo agressivamente para promover interesses nacionais, se mostrando uma vez mais um reflexo da época em que a obra foi escrita.

E FALA SÉRIO! Este é só o aspecto antropológico. Na verdade deve ir além, trabalhando também aspectos psicológicos, tornando-se deste modo um experimento mental. Isso, pois ao fazer isso ela não só refletirá sua época, mas, além disso, passará a ser atual independente de sua época. Peguemos Frankenstein, por exemplo. Mais do que um simples livro de FC ou de terror, ele nos fala o que poderá advir com o desenvolvimento da tecnologia e da medicina, assim como da busca do ser humano de se igualar a Deus, assuntos tão atuais no século XXI quanto eram no IXX.

Por que estou falando isso? Porque, como a autora colocou originalmente na introdução de sua obra, o que faz um livro de ficção especulativa se sobressair é exatamente esse elemento antropológico que traz consigo, fazendo dele mais do que uma simples obra, mas um verdadeiro reflexo de seu tempo.

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1 Comment

  1. Ana Maria Miranda May
    11/07/2018

    Ótimas reflexões,Gian! Também comprei “A mão Esquerda da Escuridão” e espero ler até o final do mês. Estou lendo o seu conto”O Cavaleiro e o Senhor do inverno”. Iniciei a leitura ainda a pouco, mas estou gostando muito do cenário e da imersão que o texto causa. Parabéns!

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