Já perdi a conta de quantas vezes disse ou escrevi que não tinha a intenção de constituir uma família e sempre, em todas as vezes, me surpreende que pessoas confundam isso com algum tipo de repulsa aos elementos envolvidos. “Você não gosta de crianças?” é a pergunta mais comum. Na verdade, eu adoro crianças. Adoro a simplicidade delas, adoro sua visão de mundo ainda tão pura e desprovida de preconceitos, adoro sua curiosidade, sua sinceridade e até sua inconsequência; e tenho vivenciado tudo isso novamente no último ano com o nascimento de meu sobrinho, Murilo.
Alguns sabem e eu mesmo já escrevi que Murilo não é o primeiro, mas o 4º de uma série que já tinha três meninas, que amo de paixão e que no momento se encontram numa fase que o mundo chama de pré-adolescência, enquanto eu gosto de chamar de Era da Criogenia (sem dramas, OK? Eu mesmo teria congelado a mim mesmo durante alguns bons anos). De qualquer forma, enquanto minhas três princesas deixam seus brinquedos de lado, Murilo apenas começa – literalmente – a caminhar com as próprias pernas.
Ah, garoto, sua chegada ao mundo não foi nada fácil; afinal, quem imaginaria que poucas semanas depois daquela ligação da minha irmã, avisando sobre a gravidez, viria o bomba da COVID e da necessidade do isolamento social? Foi duro. Teve até aviso do sexo pelo Zoom – se alguém ler isso daqui a muito tempo, releve; tecnologia da época – e suspeita de contagio na maternidade. Aliás, eu só soube dessa suspeita no dia em que fui conhecê-lo. Por um lado, bateu uma saudade daqueles grandes eventos em que famílias se reuniam para ver o recém-chegado; por outro, quase agradeci à pandemia por poder pega-lo em meus braços sem concorrência. É claro que eu queria beija-lo, mas e o medo? Tirar a máscara e pô-lo em risco justamente no momento em que a doença se mostrava mais cruel no Brasil? – nem vou mencionar as questões políticas…
Lembro que na época comentei com um amigo sobre o período amargo em que viraria tio e obtive a melhor das respostas, a qual, inclusive, transferi à minha irmã quando ela também se mostrou insegura sobre aqueles tempos: “períodos difíceis geram grandes homens”. Não é mentira. Basta lembrarmo-nos da geração de roqueiros que mudou o mundo e nasceu, quase toda, em meio às bombas da Segunda Guerra Mundial. O que eram as máscaras e álcool-gel perto disso? É claro que sobreviveríamos. Murilo nasceu em meio ao caos. Trouxe alegria para nossas vidas e a cada visita espaçada pelos cuidados necessários pude e posso ver o quanto ele evolui; posso ver sua inteligência, sua alegria, seu bom-humor, seu apetite de leão e até sua braveza quando contrariado – braveza para os outros; eu chamo de excesso de personalidade.
Poucas coisas no mundo me fazem tão feliz quanto ver seu sorriso ao me ver, ou sua disposição para vir em meu colo ou até seu interesse ainda tímido pelo meu violão. Sempre disse e continuo dizendo que é absolutamente impossível amar alguém que não admiramos e não deixa de ser esquisito e até um pouco irracional ter tamanha admiração por alguém que mal consegue ficar em pé sozinho, mas sim, eu admiro Murilo imensamente e, claro, amo-o da mesma forma.
Respondendo ao primeiro parágrafo, não, continuo não sendo do tipo “casamenteiro”. Não que não possa nunca, mas não sinto e nunca sentirei a obrigação moral que vejo em muitos amigos de ter uma família nos moldes tradicionais. Por ora, me basta tentar ser o melhor tio do mundo. Minha irmã diz que ele a tornou uma pessoa melhor; e eu concordo; apenas acho que foi universal. Tornou a todos nós pessoas melhores.
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