Nunca entendi qual o problema que as pessoas têm com histórias de bêbados. “Ah, são vexatórias”. Não, as besteiras que você faz sóbrio são vexatórias. As idiotices dos bêbados são só engraçadas e naturalmente anistiáveis – evidentemente, estou falando apenas de fatos sem maiores consequências. Este é um texto de humor autodepreciativo e não há nenhuma intenção de que seja usado para amenizar os malefícios do álcool.
Dito isso, é importante dizer que eu adoro beber e como você já deve ter notado, não tenho qualquer constrangimento em contar algumas situações pitorescas às quais os refrigerantes jamais me conduziriam. Lembro-me de um episódio deveras degradante – o fato de não me envergonhar não significa que não seja degradante – ocorrido no longínquo ano de 2007, em que, às vésperas de meus 22 aninhos, vi-me tomado por uma paixão arrebatadora. Aliás, se nós não nos conhecemos pessoalmente, talvez seja bom frisar que eu sempre (ou na maior parte do tempo) fui um palerma no que tange às mulheres e por causa disso a maioria esmagadora de minhas paixões foi vivida sozinha e de forma absolutamente unilateral. Obviamente, essa não foi uma exceção. A diferença talvez é que ao contrário da crueldade infanto-juvenil, no caso aqui eu tinha grande proximidade com a garota. Éramos amigos e até já tínhamos dado uns beijos – inesquecível pra mim, próximo da lista pra ela, mas tínhamos – e na minha cabecinha de vento era chegado o momento de meus sonhos se realizarem. E que desastre regado a cerveja e whisky barato.
Naqueles anos, eu praticamente batia cartão no Morrison Rock Bar, na Vila Madalena; uma das casas mais legais e tradicionais de São Paulo, com seu fosso à beira do palco e a escada velha de madeira que, sabe-Deus-como, nunca caiu com ninguém passando – pelo menos, não que eu saiba, embora isso explicasse a mudança de endereço. Obviamente, optei por comemorar meu aniversário lá e muito também porque minha então musa havia passado dias comentando sobre o quanto tinha se divertido quando a convidei meses antes. Sim, eu realmente achei que meu amor platônico e uma amizade sincera, aliados a um pouco de memória afetiva pelo local pudessem operar um milagre. Dei o VIP do convidado a ela só pra garantir o sucesso da missão.
A merda começou já nos primeiros momentos e eu tenho provas disso ao olhar as fotos daquela noite – é claro que eu guardei – e constatar que em todas eu estava praticamente me jogando em cima dela. No início por confiança, depois por desespero mesmo, mas essa não é a pior parte. Um dos grandes problemas de pessoas que gostam de beber (e estamos falando de gosto, não de vício) é que tudo é uma ocasião propícia. No começo da noite, estava ótimo; nervoso, mas confiante e já comecei a beber vinho em casa com a família. Cheguei ao bar “alegrinho” e a medida em que NADA acontecia, entornava copos e mais copos. Talvez nem tenham sido tantos assim, mas a sensação, a memória e o folclore clamam pelos superlativos. Bem, a verdade é que um bêbado alegre é chato; um bêbado triste é insuportável, e se eu tinha alguma chance com a moça, meu amigo, pode ter certeza que ela acabou naquela noite.
Eu não a culpo e muito menos culpo os olhares piedosos de meus amigos. Coitados, eu sabia que sua torcida era verdadeira, mas o adversário era difícil e eu também não me ajudava. Talvez tenha sido o primeiro 7 x 1 da minha vida, e a coisa começou a piorar quando um de meus convidados chegou com a irmã menor de idade e sem nenhum documento. Claro que não entraram e claro que eu decidi bater boca com os seguranças – nem me lembro da cara do sujeito, mas lembro de olhar pra cima – até que fui informado, sem muita educação, de que se insistisse, iria fazer companhia aos meus amigos do lado de fora. Achei conveniente encerrar a discussão, quando, minutos depois (ou horas, vai saber) minha amada me chama a sós. Eu estava arrumado no dia; jeans rasgado, com bota, camisa social branca, camiseta do Led Zeppelin por cima da camisa e, sobre tudo isso, paletó preto. Você pode não acreditar, mas tava bonitão e já vou provar.
-Então, sabe a minha amiga? Ela gostou de você.
-Hã?
-É, disse que você era um gato, todo estiloso… (viu como a roupa agradou!?)
Nem lembro o que eu disse; só sei que voltei a beber enquanto ela elogiava minha indumentária. Na verdade, não sei até hoje se esse interesse era real ou só uma desculpa pra me manter a uma distância segura, mas o fato é que deu certo. Não fui atrás da amiga – atitude da qual me arrependo, já que era realmente uma menina atraente – mas decidi me divertir. Desci correndo, encontrei minha turma na pista (o tal fosso) e começamos a pular ao som de um cover de Ramones. Fatos que desconsiderei:
1-Eu estava muito alterado.
2-Havia um segurança louco pra me botar pra fora.
3-Minha bota não era exatamente um All Star e certamente machucaria alguém em quem eu acidentalmente pisasse enquanto “dançava”.
Cena seguinte e lá estou, com o brutamontes me arrastando pelo colarinho em direção à fila pra pagar!!! Isso foi o pior. Enquanto ela e um amigo argumentavam que aquela violência não era necessária, eu dizia em bom embriaguez (apontando o dedo indicador pro cara):
-Vochê não é nem homem de me pôr pra fora! Cê qué que eu pague por essa merda!
(juro que numa versão interativa desse arquivo haverá uma imitação minha no lugar do que está escrito acima)
Por fim, meu amigo enfiou a mão no meu bolso, tirando minha carteira e a comanda e me encaminhando pra pagar, enquanto iria explicar o acontecido e pedir para os outros convidados saírem também. É claro que todos o fizeram. Na hora eu sequer reparei que já eram quatro da manhã e muitos já estavam se preparando para ir embora. Minha vontade era de chorar, mas tentando parecer o Macho Alpha da situação, encaminhei todo mundo para a saideira na esquina. No dia seguinte, a ressaca física sequer se comparava à moral. Quem me atendeu e consolou? Ela. Que merda!
Lá se vão 14 longos anos dessa história que, apesar do drama e da degradação, ainda me diverte. Minha musa inspiradora, sobre a qual até música escrevi? Casou; acho inclusive que conheci seu marido quando eles ainda namoravam e obviamente quando esse meu amor já havia se extinguido (nada de “cura”, já que não é doença, certo?). Na verdade, há muitos anos que não a vejo nem sei nada sobre sua vida. Espero, de coração, que esteja bem. Apesar de tudo, sempre gostei muito dela e, sim, tive a oportunidade de reaver pelo menos um pouco da minha dignidade, mas isso é tema pra outro texto.
Ah, e, sim, dei um tempo de dois anos antes de voltar ao Morrison. Melhor não arriscar, né?
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